Do discurso ao ato (Divulgação)
Um despertar em Adolescência 2t2n1h
Publicado em 10 de abril de 2025 Por Jornal Do Dia Se 4o612h
* Andrei Albuquerque
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Despertamos repentinamente quando um sonho chega a um ponto de angústia e de modo ainda mais brusco diante da angústia inável gerada por um pesadelo, mas de um modo geral o sonho é uma formação do inconsciente que mantém o sono, um protetor do sono.
Também despertamos para esquecer/recalcar o que o sonho e o pesadelo podem ter mostrado à revelia do controle de nosso ego. O mal-estar gerado pela série “Adolescência” revela um feminicídio que, presente nos jornais e nos programas sensacionalistas, produzirá um efeito mais chocante por ter sido realizado por um adolescente franzino chamado Jamie Miller, 13 anos, que não apresentava um comportamento agressivo manifesto até o momento do crime.
A família de Jamie em nada se afasta do comum em seus papéis previsíveis quanto ao homem embrutecido pelo trabalho que é o pai de Jamie que segundo o garoto conta à psicóloga, no centro de detenção, limpa privadas e ganha mais as limpando fora do horário comercial. Assim, vemos que Eddie é um homem simples capturado pelas obrigações da vida e que se preocupa que o filho goste de esportes, enquanto a mãe e a irmã parecem performar um lugar mais silencioso para apoiarem Eddie, ando a tensão que circula em casa. Seria muito fácil culpar a família e esquecer de observar a masculinidade tóxica enraizada na cultura e os discursos misóginos que circulam nas redes sociais das mais usadas às mais obscuras, seria como responsabilizar unicamente o indivíduo e suas sacolas de plástico pelas mudanças climáticas, pelas enchentes, enquanto as grandes empresas, corporações e o Estado apenas adotam tímidos programas de reciclagem.
Uma questão central da adolescência pode ser o confronto de cada sujeito adolescente com o real de sua sexualidade que gera angústia, porém há os que encontram um caminho e alguns que não encontram se sentem acolhidos por red pills, incels e demais formatos de masculinidade tóxica que canalizam seu ódio, gerado por uma rejeição imaginária ou não, sob um agressivo discurso misógino que circula na internet como um chorume pernicioso.
Na série, Jamie chega a falar sobre a “teoria” 80/20 que apontaria a preferência de 80% das mulheres por apenas 20% dos homens, relegando o restante dos homens ao desprezo. Assim, Jamie se veria como alvo dessa suposta teoria e um ataque à imagem de um adolescente que se julga feio e inadequado teve como resposta a atitude de esfaquear a colega como se ali ele destilasse o seu ódio contra o outro feminino como responsável por seu incômodo despertar da sexualidade que se torna um fator de afirmação fálica, de competição, entre os meninos de sua idade.
Jamie chegou ao ato enquanto muitos red pills e incels ficam produzindo um discurso violento e segregador que é imprevisível como repercutirá em cada usuário das redes sociais que não têm regulação mais eficaz quanto aos seus conteúdos. Por outro lado, não vemos um discurso de aversão ao masculino ganhar consistência entre as meninas, muito menos um generalizado impulso à agressividade. A bem da verdade, o culto ao masculinismo revela a fragilidade de muitos homens que por muito tempo precisam do reconhecimento de outros homens por não saberem lidar com as mulheres e com os afetos que carregam em si. Quando os homens se libertam de certas aparências da performance masculina rígida am a constatar a tolice em que estavam enrijecidos.
Lacan faz referência a uma peça de teatro para ilustrar o confronto que o adolescente enfrenta em relação ao gozo sexual, peça que em alguns anos antecede as descobertas freudianas sobre o inconsciente e a sexualidade. Em “O despertar da primavera”(1891), de Frank Wedekind, o destino dramático de 3 adolescentes, da faixa etária de Jamie da série da Netflix, é encenado: a ingênua Wendla que morre ao fazer um aborto sob responsabilidade da mãe que queria evitar a vergonha em seu meio social, o transgressor e agressivo Melchior que engravidará Wendla e afetará o seu amigo Moritz.
Esse último é um jovem inseguro e atormentado pelas pressões escolares e o despertar de sua sexualidade que após cometer suicídio ará a ver, do reino dos mortos, toda a tolice que o capturou no mundo dos homens, desvelando para si a aparência e engodo dos discursos que tentam padronizar um lugar de homem entre os outros. A sexualidade também foi um desafio aos três adolescentes do século XIX.
Então, o que fica após a trend gerada pela série “Adolescência” nas redes sociais? O debate logo vai migrar para outra trend, talvez valha o mais incômodo que permita reflexões de um-a-um antes que se desperte para que a verdade seja esquecida nos corações e na cultura.
* Andrei Albuquerque, mestre em psicologia social/UFS (Publicou 2 livros, artigos e textos em jornais)