Fora da Matrix 2e2c3

Suspendo a minha conta no Instagram, excluo o Facebook, após uma vida inteira de questionamentos íntimos sobre a serventia pouca das redes sociais. Estou desconectado, fora da Matrix.

Resta-me agora o deserto do real. Deserto, sim. Despovoado. Diferente da paisagem desolada, a ruína da civilização moderna imaginada pelos irmãos Wachowski num clássico de ficção científica, premonitório em diversos aspectos, a realidade longe das telas não tem nada de árida, ou insalubre. É doce o meu exílio.

Vou à praia da Cinelândia, ao cair da tarde. Ao invés de sacar o telefone celular, um aparelho praticamente inútil em minha recente condição de escravo alforriado, desfruto o horizonte largo, profundo como um abismo. Confronto o mar com os olhos abertos. E mergulho, compelido por uma ansiedade genuína, sem saber de algoritmos.

Sobra-me tempo. Livre das distrações, como melhor, durmo melhor, perco os dias com leituras caudalosas e com meus dois filhos. Também trabalho e amo melhor. Aguardo sempre a próxima fornada na melhor padaria da Atalaia. Para mim, quero apenas os pães quentes.

As sociedades hiper conectadas criaram populações de cabeça baixa, subjugadas pelo ecrã. Eu bem sei, nem todos os usuários das redes se consideram cativos. Mas a pose blasé não os faz diferentes de influencers e tiktokers. Para os donos do mundo, os magnatas das tais plataformas de tecnologia, o beicinho de enfado atrás dos óculos com armação de aro grosso também gera lucro.

Após tantos anos de servidão, o dedão ainda procura o ícone do Instagram entre os aplicativos que me são realmente úteis, eu confesso. Estou muito mais para um nego fujão, do que para uma alma liberta. Dizem que o uso do cachimbo põe a boca torta. E isso de refutar um hábito indesejado é resolução de quem já ganhou muito chicote.