**PUBLICIDADE f4t60
Publicidade

A experiência vanguardista do NPD Orlando Vieira 325k3f


Publicado em 16 de junho de 2020 Por Jornal Do Dia 3j1i4b


Para além da qualificação técnica, em favor da autoestima dos sergipanos

 

* Graziele Ferreira

Em maio faleceu o ideali- zador dos Núcleos de  Produção Digital (NPDs), Leopoldo Nunes. Posso dizer que perdemos um exímio articulador do o à produção audiovisual no Brasil. Nesses seis anos intermitentes em que estive  à frente do NPD Orlando Vieira/Funcaju, entre 2009 e 2012 e de 2018 a janeiro de 2020, pude acumular conhecimento para garantir um avanço ainda maior da narrativa originária dos NPDs, surgidos em 2005 num programa do Governo Federal.
Deixo registrada aqui, portanto, minha iração pelo cineasta e importante militante do cinema brasileiro, e guardo na memória o convite, em 2013, de Leopoldo Nunes, então secretário do audiovisual, para que eu assumisse a coordenação nacional dos NPDs no Ministério da Cultura. Ele queria ver replicado pelo país a experiência vanguardista da gestão do Núcleo Orlando Vieira, que extrapolou o campo da qualificação técnica, fomentando vários eixos da cadeia produtiva local.
Ao reassumir a coordenação do NPD, há dois anos, me comprometi a superar minha experiência anterior, motivada pelo que compreendo hoje ser a questão de maior interesse para a construção sólida de uma cadeia produtiva, ações pensadas numa lógica processual. Assim, todas as atividades estiveram focadas em proporcionar à população cursos, debates, exibições e projetos artísticos que se entrelaçam e potencializam um ciclo de contribuição para o desenvolvimento da cena artístico-cultural aracajuana.
Uma gestão pautada no enfrentamento de um problema há muito estacionado no cenário local, a inexpressividade de público para manter e impulsionar a economia da cultura em Aracaju. O lançamento de um filme local é sempre prestigiado por poucos, dificilmente ultraando relações pessoais da equipe do próprio filme. E assim acontece de forma correlata nas demais linguagens artísticas. Frente a isso, decidimos transformar o Ocupe a Praça, criado em 2017 pela então coordenadora do NPD, Carol Westrup, numa vitrine estratégica para o fortalecimento da autoestima sergipana.
A partir desse investimento no talento sergipano, o Ocupe, a cada mês, começou a cruzar diversas linguagens artísticas com critérios temáticos, contrapondo o que é oferecido, em geral na nossa cidade, em termos de programação. O habitual é um ajuntamento de apresentações num escopo cultural, sem maiores cuidados com conceitos e tratamentos artísticos. O Ocupe ofereceu à população aracajuana uma vida artístico-cultural coletiva, extrapolando fronteiras do entretenimento, articulada em prol da autoestima do nosso povo, enfrentando um desequilíbrio histórico de consumo/fruição da produção sergipana pelos próprios sergipanos.
A ampliação de público para conferir filmes feitos por e/ou sobre sergipanos, a partir da transversalidade de públicos de diferentes linguagens artísticas, atuou decisivamente nos indicadores quantitativos e qualitativos das vinte edições do Ocupe realizadas entre 2018 e 2019. Criamos oportunidades de renda para artistas locais de diversos setores; homenageamos sergipanos vivos, ícones do meio artístico mundial, infelizmente desconhecidos da população em geral; estimulamos debates, em praça pública, sobre temas urgentes da realidade artístico-cultural local; provocamos ampliação de repertório sergipano dos próprios artistas, que por diversas vezes nos contaram sobre a enorme satisfação em se apresentar ao lado de conterrâneos que jamais tinham tido a oportunidade de conhecer pessoalmente.
Destaque importante para o Ocupe Véio, primeira homenagem ao artista Véio em Sergipe. Nascido no sertão sergipano, ele foi escolhido, em 2014, para participar da exposição comemorativa aos 30 anos da Fundação Cartier em Paris. Recebeu, em 2017, o Prêmio Itaú Cultural 30 Anos. Outro exemplo foi o Ocupe Cândido de Faria, com presença da Diretora da Fundação Pathé, StéphanieSalmon (Paris-FR), que veio pela primeira vez ao Brasil para falar sobre Cândido, sergipano que viveu em Paris no início do século XX, um dos primeiros ilustradores do cinema mundial. Ao longo das edições do Ocupe, houve participação de mais três convidados de fora do Estado, Rafael Alves, pesquisador do trabalho de Véio, o ator e produtor cultural Perfeito Fortuna, e o cantor e compositor Siba. Todos vieram pelo mesmo motivo, enaltecer o talento sergipano.
E para exemplificar a lógica processual nos eixos de formação e fomento com ações encadeadas, antes de lançarmos o edital de roteiro realizamos o "Laboratório de Imersão Criativa e Sensibilização Autoral para Cinema", ministrado por duas referências da nova geração de cineastas brasileiros, Tião e Nara Normande. Outro importante edital foi o de oficinas audiovisuais, que incluiu na docência a geração formada pelo próprio NPD ao longo dos seus 13 anos de existência, criando oportunidade de trabalho e renda para ex-alunos, hoje profissionais. Além de realizar parcerias inéditas com outras secretarias, a exemplo da Fundat.
Toda essa equação ampliou a posição de destaque do NPD na política cultural da cidade. Notabilidade gera reconhecimento, mas também tensões e ruídos que, nessa era de fake news, pode ser matéria-prima para manipulações a partir de confusões sobre a garantia concreta do espírito coletivo do filme de uma turma, por exemplo. Há desinformação sobre trâmites legais que envolvem uma produção com fim público, no qual o direito patrimonial é do poder público, a responsabilidade com o conteúdo é da gestão, em caso de qualquer infração legal do filme, quem responde é o NPD, e não os alunos. Regra que evita a personificação de um filme coletivo, pertencente a uma turma que possui o direito de autor/criação. O NPD, portanto, é quem garante o espírito coletivo dos filmes resultados de cursos.
Falo da minha gestão do NPD, em meio ao trabalho de todas as demais coordenadoras, que contribuíram na construção do respeito e carinho que temos por esse projeto. Como se trata de um espaço público, quero terminar reafirmando minha inspiração em sergipanas do setor político: Indira Amaral, Tania Soares e Lucimara os. In memoriam, deixo minha homenagem aos meus anteados escravizados, e especialmente a meu pai, que me fez ar pela arrebatadora experiência de ser filha de um negro que ascendeu financeiramente e por isso me fez perceber desde muito cedo as consequências quando um/uma integrante de minorias conquista posição de destaque. Vida longa ao Núcleo, que continue fazendo jus ao sonho de  Leopoldo de um cinema brasileiro ível e democrático.

* Graziele Ferreira, ex-coordenadora do NPD Orlando Vieira, ex-conselheira de Estado da Cultura de Sergipe, mestranda em Comunicação e Sociedade pela UFS.

 

**PUBLICIDADE f4t60



Capa do dia
Capa do dia



**PUBLICIDADE f4t60


**PUBLICIDADE f4t60
Publicidade